Em momentos em que a memória social e os concomitantes marcos físicos mnemónicos encontram-se cada vez mais comprometidos por políticas oficiais obscurantistas e retrógradas, a Arqueologia não pode ficar paralisada e sem resposta a essa ameaça. À ciência arqueológica não incumbe apenas a produção de informações históricas e, sim, fazer com que essas sejam a base de reflexão existencial e de tomada de atitude, individual ou coletiva. Diante dos perigos da eliminação das fontes históricas dos mais diversos grupos sociais, em especial daqueles que só podem tornar visíveis a sua existência através dos vestígios materiais, a Arqueologia não tem como ser pensada de forma politicamente descompromissada e omissa diante da desigualdade e a injustiça. O arqueólogo deve ser um militante e a sua prática arqueológica deve estar regida sempre pelo ideal de justiça e de harmonia cidadã.
Mulheres à frente: uma história da arqueologia nordestina
Ana Luisa Meneses Lage do Nascimento (UFPI)
Quando fui questionada se aceitaria proferir essa palestra, logo me lembrei da questão que a antropóloga Vilma Chiara (in memoriam) me fez ao convidá-la para participar da banca de defesa de um aluno de mestrado: “mas por que eu?”. Sem querer me comparar com a grandíssima antropóloga, mas a pergunta aqui é válida. Bem, refleti sobre minha vida, sou filha de arqueóloga, que estava em campo já nos últimos meses de gestação, teve de me deixar no Brasil com três meses para dar continuidade com seus estudos. É impressionante os desdobramentos que a mulher deve tomar, mesmo em um período frágil como a gestação, para se tornar reconhecida. Sem falar que sobre a temática há muito o que se discutir… Então aceitei e vamos lá!
A história da arqueologia nordestina está repleta de grandes lideranças de mulheres em missões nacionais e internacionais, a exemplo do caso da missão franco-brasileira de 1978 no sudeste do Piauí, chefiada pela arqueóloga Niède Guidon e que trabalhava em Sciences Sociales, na Ecole des Hautes Études em Paris. Essas mulheres trouxeram importantes contribuições para as pesquisas arqueológicas brasileiras. Foi a partir de seus estudos que se buscou classificar os grafismos rupestres em Tradições no Nordeste, os estudos lito-cerâmicos foram avançados, como também trouxeram outras teorias sobre o povoamento das Américas, que não fosse pelo estreito de Bering.
É inegável que a história arqueológica do Nordeste envolve sobretudo mulheres na liderança. Entretanto, vale ressaltar que se por um lado houve a participação massiva delas, por outro, essa mesma história comprova o silenciamento das pesquisadoras indígenas ou afrodescendentes da localidade, com raríssimas exceções há referências de mulheres da comunidade com voz ativa e contribuindo com os estudos arqueológicos, mas os primeiros estudos são de pessoas de fora do Nordeste que pouco interagiram com a comunidade local, faziam seus estudos nos sítios arqueológicos e logo retornavam para seus ambientes de trabalho.
Com essa palestra busco levantar um pouco sobre a história da arqueologia nordestina, falar sobre a carência que há de trabalhos envolvendo lideranças nordestinas femininas na história, o quadro atual das mulheres na academia e a importância da representatividade feminina.
Onde estamos e que Perspectivas teremos para a Arqueologia no Nordeste
Albérico Nogueira de Queiroz (UFS)
Com a implantação dos cursos de graduação em arqueologia nas universidades públicas do país, e em particular na região Nordeste, com quatro instituições federais: Universidade Federal do Vale do São Francisco-UNIVASF (2004), Universidade Federal de Sergipe-UFS (2007), Universidade Federal do Piauí-UFPI (2008) e Universidade Federal de Pernambuco-UFPE (2009), os desafios para o desenvolvimento da profissão foram surgindo na medida em que o amadurecimento acadêmico e científico na região foram demandando cada vez o caráter interdisciplinar que a arqueologia detém, e junto com ela, as perspectivas de uma área que atua desde o conhecimento sobre o modo de vida das pessoas, de como interagiam e faziam uso dos recursos naturais, transformando-os por diversas vezes em sua materialidade e simbolizando sua imaterialidade, perpassando pela preservação da memória e da herança cultural dos que deixaram suas marcas e seus descendentes. As Pós-graduações na área arqueológica foram frutos das sementes outrora plantadas. Uma provocação se faz necessária! Propõe-se, portanto, uma discussão reflexiva sobre o papel do “ser arqueólogo(a)” no Nordeste brasileiro, diante dos enormes problemas sociais, educacionais e econômicos que perduram desde muito tempo, mas que também se depara cotidianamente com uma sociedade cada vez mais pautada e dependente do conhecimento tecnológico.
A profissão de arqueólogo: uma conquista do povo brasileiro
Carlos A. Santos Costa (UFRB)
Partindo de uma abordagem majoritariamente legal, o objetivo desta comunicação é apresentar os acontecimentos a partir da regulamentação da profissão de Arqueóloga/o (Lei nº 13.653/2018). Pretende-se esclarecer o que significa, os alcances, as finalidades, as aplicabilidades e as limitações do Estatuto Legal da regulamentação profissional. Seguirá descrevendo algumas dificuldades na operacionalização das premissas da profissão de Arqueóloga/o pós-regulamentação. O objetivo desta discussão é, essencialmente, demonstrar que a regulamentação da profissão de Arqueóloga/o não constitui o final do processo legal e nem um porto seguro permanente aos profissionais, de forma a ensejar a constante atenção e vigilância, não em prol da/os profissionais regulamentada/os, mas pela proteção do patrimônio arqueológico como bem social público.